TP 2
Unidade 5
A gramática: seus vários sentidos
As concepções da gramática
“Só podemos refletir sobre o que observamos
e observamos melhor o que faz parte de nossa vida,
do nosso cotidiano.” Gestar II
O estudo da gramática em sala de aula nem sempre foi e é bem visto por alunos e professores. É comum ouvirmos os alunos falarem “Odeio gramática”, ou “Estudar as regras gramaticais é um saco!”. Há ainda aqueles professores que dizem “Como vou ensinar isso?”, ou “Pra que saber ensinar os nomes se eles já sabem como utilizar?”, principalmente quando se trata daqueles nomes que servem para classificar uma oração subordinada substantiva. Nossa, só de escrever já cansa.
Embora seja comum ouvir muitas reclamações sobre o estudo da gramática de língua portuguesa, ela não é a única que tem sido alvo de tantas angústias. Em geral, gramáticas de outras línguas também recebem tais reclamações, pois são elas que desempenham o papel de estruturar uma língua na sua variação linguística culta.
No entanto, estudar gramática vai muito além ou ao lado dessa primeira acepção apresentada, que considera a gramática como um conjunto de regras que estrutura uma língua na sua variante linguística padrão (norma culta). Isso porque também fazem parte do conceito de gramática a gramática interna e o ensino produtivo, a gramática descritiva e o ensino reflexivo e ainda a gramática normativa e o ensino prescritivo.
O conjunto de regras da língua, que cada falante domina, mesmo inconsciente e independentemente de sua escolaridade em virtude de estar em contato com outros falantes em determinado ambiente e, portanto, adquirindo as marcas dialetais desse grupo, visto que somos impressos pela cultura que nos cerca, tem o nome de gramática interna, implícita ou internalizada. Dessa forma, confirma-se, desde já, a impossibilidade de uso da língua sem uma gramática.
Portanto, no processo de ensino-aprendizagem da língua, é fundamental o trabalho do professor. Este deve oportunizar aos alunos o contato com diferentes gêneros textuais, atividades de produção e organização de textos, de transposição de dialetos, registros, bem como exercícios de lacunas e reescritas. Ou seja, temos que oferecer muitas formas aceitas como corretas. Assim, nossos alunos aos poucos irão se apropriar delas e como consequência ampliarão sua gramática interna que jamais deve ser desconsiderada pelo professor. Dessa forma também, o contato com a variante linguística culta fica mais próximo do aluno que gradualmente vai reconhecendo e aprofundando seus conhecimentos sobre a língua.
A esse processo damos o nome de ensino produtivo, pois tem como objetivo principal desenvolver a competência discursiva do falante, seja como locutor, seja como interlocutor. Como exemplo, temos a seguinte situação: uma netinha de dois anos e nove meses ao ser aconselhada pela avó para colocar seu uniforme, pois o pai já a estava esperando, diz: “Eu não sabo pô, não, vovó. Me ajuda vovó.” Pode-se dizer que as crianças, de forma geral, desde muito cedo, vão internalizando o vocabulário e as estruturas linguísticas que vão ouvindo no ambiente em que estão inseridas. E não levará muito tempo que a netinha do exemplo anterior tenha sua linguagem próxima a dos adultos com os quais ela convive. Assim, com o tempo, a forma “sabo”, que aliás é uma evidência de que ela domina a estrutura da língua no que se refere à conjugação de verbos regulares – falo, parto, vendo - será substituída por “sei”.
Portanto, uma criança por volta dos 6 anos, por exemplo, já domina as regras básicas de uma língua sem ter tido qualquer uso sistemático da língua. As exceções da língua serão adquiridas, à medida em que ela, enquanto falante, se depara com novas situações sociocomunicativas que exigem diferentes usos da língua. É exatamente isso que vai acontecer com a “netinha” do exemplo quando ela fizer a troca de “sabo” para “sei”.
Já gramática descritiva e o ensino reflexivo tratam da reflexão que fazemos sobre a língua e de como podemos aprimorar na sala de aula. Mas esta só tem sentido se tiver a gramática interna como base. Assim, um conhecimento novo, como vocabulário ou estrutura novos, só poderá ser observado, analisado e refletido a partir de um conhecimento anterior (prévio). Além do próprio uso da língua, é na comparação, observação e reflexão sobre o observado que ampliamos os recursos linguísticos, ou seja, aumentamos nossa competência discursiva.
É importante ressaltar que a gramática descritiva não tem interesse em rotular os empregos em “certos” ou “errados” e sim, a partir da descrição do uso da língua, buscar razões para os mesmos, ou seja, procura compreender e explicar através de um trabalho de reflexão mais sistemático da língua. Isso ocorre por três razões específicas: a) interesse pela língua na sua forma “natural”, ou seja, a oralidade, pois é usada por todos os falantes; b) descrição da língua em suas diversas variações; c) observar diferentes linguagens para não priorizar uma e criar formas estéticas únicas.
Como, por exemplo, um menino de apenas quatro anos após assistir a uma partida de futebol com o pai e ficar encantando com o desempenho do jogador Zanata, fala para a mãe na manhã seguinte: “Mamãe, olha que engraçado! Zanata tem três pedacinhos que acabam igual: Za-na-ta...” Um outro exemplo é quando se faz uma mesma pergunta de diferentes formas e se começa a perceber que cada uma delas apresenta um tipo de envolvimento do locutor, uma expectativa de resposta do interlocutor. Vejamos: Você é gente?(o locutor não sabe e quer saber), você é gente, não é? (o locutor espera que o interlocutor seja gente) ou ainda, você não é gente, é? (o locutor espera que o interlocutor não seja gente).
A gramática normativa tem seu foco em apenas um aspecto da língua desconsiderando as demais questões decorrentes da situação de interação, das condições em que se dá a interlocução: o contexto, junto com a escolha de estruturas linguísticas, é que cria as possibilidades de significação, atribuída pelo interlocutor. A gramática normativa dá exclusividade para o estudo das regras de uso da norma da língua, estabelecendo um paralelo entre o que é certo e o que é errado, pois privilegia as regras do dialeto culto como sendo o único válido e legítimo no ensino da língua. Ao centrar-se na observação da variante linguística culta, essa gramática tem seu foco nas modalidades escritas e na linguagem literária. Contudo nem sempre a escrita está ligada com o registro formal (carta informal) e a fala, com o registro informal (comunicado, em rede nacional de televisão, sobre a morte de uma pessoa famosa).
Em relação à amplitude ou à extensão dos estudos da língua, a gramática normativa irá abarcar uma parte pequena, ainda que importante, das variantes da língua. Assim, estudar apenas os fatos do dialeto culto acarreta na perda da riqueza da língua. Esta por sua vez é observada através dos vários dialetos de uma língua, dos diferentes gêneros textuais e das intenções comunicativas.
Quando se trabalha com uso formal da língua e se quer ensinar ortografia, por exemplo, é que as regras da norma culta terão validade. A gramática normativa coloca à disposição do falante um receituário de “boas maneiras linguísticas” e a esse ensino dá-se o nome de prescritivo.
Em vista de tudo que foi apresentado, podemos perceber que cada concepção de gramática (interna, descritiva e normativa) tem o seu lugar dentro do processo de ensino-aprendizagem e que é fundamental que o professor perceba que a gramática se amplia sempre e desenvolvê-la é desenvolver também a própria competência linguística do aluno.
Alessandra Barcelos
3 comentários:
É bom ler a produção textual de colegas de curso e perceber como conseguimos teorizar sobre nossas reflexões. Gostei do texto!
Olha só nosso perfil, muito obrigado Aneli pelo elogio.
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